A indústria eólica brasileira enfrenta um dos momentos mais delicados dos últimos anos. Além da insegurança regulatória causada pela indefinição sobre a sanção da Medida Provisória 1.304, empresas do setor relatam que o crescente número de eventos de curtailment, cortes na geração eólica determinados pelo Operador Nacional do Sistema (ONS), está drenando o fôlego financeiro da cadeia produtiva, criando um cenário de forte pressão econômica e operacional.
A presidente Elbia Gannoum e representantes de companhias do setor destacaram, durante coletiva organizada pela ABEEólica (Associação Brasileira de Energia Eólica e Novas Tecnologias), que a combinação desses dois fatores, risco de veto e aumento dos cortes, ameaça diretamente a viabilidade de novos investimentos, a competitividade da energia renovável e a previsibilidade necessária para o planejamento de longo prazo.

Curtailment cresce e agrava o estrangulamento financeiro das empresas
Segundo executivos presentes na coletiva, os cortes de geração eólica vêm atingindo níveis considerados preocupantes. Os eventos de curtailment, que deveriam ser pontuais, tornaram-se mais frequentes em 2024 e 2025, afetando diretamente a receita das geradoras em um momento em que os preços no mercado de curto prazo já operam em patamares deprimidos.
Na avaliação dos agentes, a falta de expansão da infraestrutura de transmissão, aliada a decisões operativas que privilegiam outras fontes devido a restrições hidrotérmicas e ao perfil de despacho do sistema, tem reduzido significativamente a energia efetivamente entregue pelas usinas eólicas, mesmo quando os parques estão plenamente disponíveis para gerar.
A consequência é um ambiente de sufocamento financeiro, como relatado durante a coletiva: receitas abaixo do esperado, contratos pressionados, aumento do risco percebido por investidores e maior dificuldade de financiar novos empreendimentos.
Executivos ouvidos na conversa afirmaram que, se nada for corrigido no arcabouço regulatório e operacional, “os investimentos deixam de ser viáveis”, sobretudo nos ativos planejados para 2027 em diante.
MP 1.304 é vista como pilar de estabilidade em meio ao cenário adverso
Nesse contexto, a Medida Provisória 1.304 se tornou ainda mais estratégica para o setor. O texto busca estabilizar passivos associados à judicialização de contratos de energia incentivada, reduzir incertezas regulatórias e permitir previsibilidade para as empresas que precisam justificar novos aportes bilionários.
Durante a coletiva, Elbia Gannoum reforçou que a MP representa um marco essencial para evitar que as distorções do mercado, somadas ao curtailment crescente, levem a um retrocesso sem precedentes na cadeia eólica.
Segundo a presidente da ABEEólica, “a solução construída na MP 1.304 é essencial para proteger a indústria e evitar um retrocesso no setor.”
Ela ressaltou que o texto aprovado foi construído em diálogo com governo e Congresso e oferece as bases mínimas de estabilidade necessárias para atravessar o cenário atual.

Contas setoriais: Encargo de R$ 2,8 bilhões não recairá sobre o consumidor
Para esclarecer dúvidas sobre o impacto econômico da MP, Elbia destacou que não há risco de tarifaço. Conforme afirmou durante a coletiva, o custo de R$ 2,8 bilhões não será repassado ao consumidor, pois será integralmente absorvido pela conta de ressarcimento administrada pela CCEE (Câmara de Comercialização de Energia Elétrica).
O posicionamento reforça a preocupação central das empresas: preservar a sustentabilidade do mercado sem onerar a população.
Em linha com essa preocupação, Elbia Gannoum voltou a destacar que o setor eólico não busca privilégios ou encargos adicionais. O foco, segundo ela, é assegurar condições mínimas para a continuidade dos investimentos, da geração de empregos e da expansão industrial.
“A indústria busca apenas segurança jurídica para continuar investindo, gerando emprego e impulsionando o crescimento do país, garantindo que não há intenção de criar custos adicionais para o consumidor”, declarou Gannoum.
Risco de veto cria incerteza e amplia o clima de apreensão
A perspectiva de um possível veto presidencial à MP 1.304 é hoje um dos principais pontos de tensão entre os agentes de mercado. Executivo após executivo reforçou que uma decisão dessa natureza poderia comprometer ainda mais a estrutura financeira das empresas, já pressionadas pelos cortes do ONS e pelos desafios de transmissão, e desencadear um efeito em cascata sobre projetos, financiamentos e modelos de negócio.
De acordo com as análises apresentadas na coletiva, a percepção geral é de que um veto deixaria o setor ainda mais vulnerável, “sem ar”, em um momento em que a cadeia eólica tenta sobreviver à combinação de curtailment elevado e preços deprimidos no mercado livre.



