A onda de calor extremo que atingiu o Sul e o Sudeste nas últimas semanas fez o país alcançar o maior patamar da geração de energia termelétrica desde a crise hídrica de 2021. Com os termômetros das principais capitais registrando mais de 40°C em 17 de novembro, as usinas térmicas, mais poluentes ao meio ambiente em relação às hidrelétricas, foram acionadas, gerando aproximadamente 16,4 gigawatts (GW) médios no início da noite, segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O movimento insólito dos indicadores beneficiou a operação de algumas companhias do setor. Segundo um relatório do Itaú BBA, Eletrobras (ELET3), Copel (CPLE3) e Eneva (ENEV3) foram as principais vitoriosas com a necessidade do acionamento das térmicas, seguidas de Equatorial (EQTL3) e Energisa (ENGI3).
O aumento da demanda por energia no país, com o uso de ares-condicionados e climatizadores, e a maior predileção ao uso das termelétricas fizeram alguns papéis dispararem em novembro. É o caso, por exemplo, da Eneva, que avançou 23,7% do início de novembro ao dia 23. A companhia se endividou nos últimos anos a fim de ter uma matriz mais diversificada e investiu em um modelo chamado reservoir to wire (R2W), uma abordagem integrada em que explora e produz gás natural e o utiliza para a geração de energia por meio de suas térmicas. Esse tipo de estratégia faz com que a companhia seja menos poluente em relação ao uso de carvão mineral, que demanda um acionamento mais prolongado, o que é prejudicial para o meio ambiente.
“Dentre os principais atributos das térmicas a gás, e sobretudo do R2W, está sua capacidade de ofertar energia ao sistema a qualquer tempo, protegendo os consumidores de grandes variações na carga e secas severas”, diz a Eneva em comunicado enviado ao IM Business. A empresa conta com um parque de geração térmica com 6,3 GW de capacidade contratada (67% operacional), sendo 4,9 GW a gás natural (78%) e 0,7 GW a carvão mineral (11%) e 0,7 GW fotovoltaica (11%). De olho na sustentabilidade, a companhia tem o plano de investir R$ 500 milhões até 2030 para a adoção de tecnologias emergentes para a redução das emissões dos gases de efeito estufa e para a captura e armazenagem de CO2.
Especialista do setor, o consultor e economista Adriano Pires, diretor fundador do Instituto Brasileiro de Infraestrutura (IBIE), acredita que o Brasil ainda não esteja pronto para priorizar as fontes alternativas em detrimento do uso das termelétricas. Ele também acredita que o “excesso de subsídios” às fontes renováveis esteja criando um “Robin Hood às avessas” no país. “O cenário que nós temos hoje é o pobre está subsidiando o rico em nome do meio ambiente”, diz ele. “Ainda bem que nós temos as térmicas. Se não fosse por elas, teríamos ficado sem luz. Não dá para resolver todo o problema da energia só com renováveis”, complementa Pires.
Segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o país registrou uma ampliação de 1.238,6 megawatts (MW) na capacidade instalada em agosto, sendo que as fontes solar e eólica representaram juntas 97,5% do acréscimo. Com isso, a matriz elétrica brasileira registrou no mesmo período um total de 195,6 gigawatts (GW), sendo que as usinas termelétricas representam cerca de um quarto (24,3%) do montante desta operação, atrás somente das usinas hidrelétricas (52,3%). Já quando analisado o potencial das usinas que estão em construção, as térmicas ficam atrás das fotovoltaicas (35,6%) e das eólicas (31%).
A Engie (EGIE3), por sua vez, decidiu trilhar um caminho oposto. A geradora de energia, que até pouco tempo detinha operações de térmicas, decidiu apostar na transição energética. De 2016 a 2022, foram investidos mais de R$ 20 bilhões para a rotação de ativos que promovem uma matriz mais limpa. “Nós descomissionamos três usinas térmicas e vendemos duas nos últimos anos. Com isso, hoje o nosso portfólio é totalmente limpo. Só usamos hidrelétricas, eólicas, solares e de biomassa”, diz Leandro Xavier, gerente de assuntos regulatórios e de mercado da empresa.
Segundo uma projeção da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em relatório assinado em conjunto com o Fórum Econômico Mundial (WEF) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o investimento em hidrelétricas poderia ampliar a capacidade de geração de energia limpa no Brasil em 4,7 GW, resultando na redução de 57 milhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Há uma expectativa que o Ministério de Minas e Energia promova um novo leilão para reserva de capacidade de energia em breve e que a ampliação das hidrelétricas faça parte deste novo desenho de concessão.